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Lendas e estórias
As lendas, embora fazendo parte de um mundo irreal e fantástico, têm, na maioria das vezes, algum longínquo cunho histórico, deformado ao longo dos séculos pela imaginação popular.
A superstição, é certo, prevalecia e, quando das debulhas, contavam-se coisas de arrepiar, crendices inculcadas de geração em geração, através de lendas transmitidas oralmente que as pessoas contavam convictas da verdade encerrada na sua narração: a “Procissão Noturna”, percorrendo a Quinta; os “Lobisomens”, na Portela; a “Dança das Bruxas”, na Relva do Meio; a “Alma Penada”, que todas as noites e com uma candeia acesa percorria a serra, em ambos os sentidos, desde o Carvalhal ao Roçaio, fosse verão ou inverno. Além, claro, da “Costureirinha”, aquela máquina que todos ouviam a trabalhar.
A sepultada viva na capela
A capela dos Barretos ou de S. José, lateral da Igreja Matriz de Góis, mandada construir por António Rodrigues Barreto e sua mulher Felicitas Duarte de Figueiredo, foi durante muito tempo o panteão da família Barreto Perdigão, mais tarde, dos Barreto Chichorro. Na pesada pedra que cobre a sepultura, no chão da capela, pode-se ainda ler a data de 1640 e o nome dos seus instituidores.
Em data incerta foi ali sepultada uma senhora, familiar do morgadio. Nos dias que se lhe seguiram, quem frequentava a igreja não deixava de ouvir, proveniente daquela capela, débeis murmúrios, como que suplicantes por socorro. Quem, esmagado sob o chumbo daqueles sons, não sentiria um calafrio percorrer o seu corpo? Quem, no silêncio solene da igreja, não estremeceria a ruídos que, parecendo vir do Além, lhes invocava os mistérios da vida? Quem não veria neles um aviso do Céu, lembrando a nossa vida efémera? Os fiéis não deixavam de lamentar a alma da sua conterrânea, talvez de pecadora arrependida, clamando piedade junto do Senhor. E muitos deles, certamente, não deixavam de orar com mais fervor, pela sua salvação.
Os "ais" foram-se atenuando até deixarem de se ouvir. Certamente, Deus misericordioso teria aberto as portas do seu Reino. Pois a todos perdoareis as suas faltas e não me lembrarei mais dos seus pecados, palavra do Senhor.
A serenidade voltava à comunidade de Góis.
Chega a altura de outro enterro. Remove-se com esforço a pedra do túmulo. Sentada nos degraus interiores, que conduziam à sepultura, está a antiga defunta, com as vestes com que carinhosamente os familiares a tinham envolvido. Tivera forças para sair do caixão, onde a colocaram ainda com imperceptíveis restos de vida. Mas não a suficiente para erguer a pedra tumular.
Esta é a história que contava a avó Laura de João Nogueira Ramos, Laura da Conceição Barreto Chichorro de Vilas Boas, tal como já tinha ouvido dos seus progenitores. Reconfirmada por Maria José Rocha Barros.
Fonte: Concelho de Góis – Memórias
A Buraca dos Mouros
No monte acima da aldeia de Cortecega existe uma mina chamada “A Buraca dos Mouros”.
Um conto tradicional diz que, no passado, tinham vindo os Mouros para a aldeia e os habitantes tentaram fugir. No entanto, os Mouros capturaram um homem, penduraram-no numa figueira e espetaram-no com garfos de ferro. Entretanto, uma mulher com os seus dois filhos fugiu, descendo pelo carreiro que leva ao rio até a “Lapa da Fonte”, escondendo-se por baixo desta espécie de gruta. Os Mouros tinham observado a fuga e procuravam a mulher e os filhos. Eles chegaram a estar mesmo por cima da “Lapa da Fonte”, mas a mulher e as suas crianças mantiveram silêncio. E só muito mais tarde, já era de noite, quando ela tinha a certeza que os Mouros tinham ido embora, deixou o esconderijo e regressou acompanhada pelos filhos à aldeia. O local encontrava-se deserto, porque todos os habitantes tinham fugido e os Mouros tinham ido embora. Estavam os três salvos. No dia seguinte, os habitantes regressaram.
O Cerro da Candosa
Diz-nos outra lenda que o estreito do Cabril separava dois reinos: o Mouro e o Cristão. O mouro chamado Al-Kandar na margem esquerda do rio Ceira, ou seja Candosa, e o Cristão na margem direita. Diz a lenda que a linda princesa se enamorou do filho do rei cristão ao ponto de se apaixonarem, mas a rivalidade dos pais não permitia tal coisa. Porém, às escondidas, numa gruta que ainda hoje existe, marcavam encontros à noite. O sinal seria uma lamparina acesa que era vista da outra margem pelo príncipe cristão, que por sua vez passava o rio para o outro lado ao encontro da sua amada. Mas uma noite o rei mouro deu pela falta da filha e logo mandou os guardas com cavalos à procura da princesa. Ao ouvirem o trote dos cavalos os jovens enamorados tentaram fugir, mas na fuga precipitada, caíram ao rio. Só no dia seguinte foram encontrados mortos e abraçados como a quererem dizer que queriam ficar juntos para sempre e que o seu amor seria mais forte que a rivalidade dos pais. A partir desse dia, dizem que todas a noites de lua cheia, à meia-noite, se ouvem vozes e murmúrios, no local da tragédia, e se vêm duas rosas a boiar nas águas do rio. Daí chamar-se a “Lenda das duas Rosas”.
Fontes: Salpicos da minha Aldeia, de José Rodrigues e Concelho de Góis – Memórias
A Levada dos Mouros
A propósito da Levada dos Mouros conta-se uma lenda. Havia um príncipe para os lados de Avô, que tinha uma filha que foi pretendida simultaneamente por dois nobres cavaleiros. O príncipe disse que a daria ao que primeiro construísse um castelo no local ou que para lá levasse água em abundância. Puseram-se os dois a trabalhar ativamente e, enquanto um construía o castelo, o outro foi buscar a água pela levada, que foi abrindo na rocha. Chegada a água à morada do príncipe, dissera-lhe o pretendente: “Aqui a tem, beba dela”, donde viria o nome à povoação de Bobadela. Mas ao chegar a água, o outro pretendente dava o castelo por concluído, e nenhum deles pôde conquistar a donzela.
Fontes: Arquivo Histórico de Góis,e Concelho de Góis – Memórias
Al e Varge
Anselmo dos Santos Ferreira conta-nos a lenda da sua terra, que em criança ouvira dos seus antepassados.
«A poética lenda da fundação da vila de Alvares é mais uma prova de amor dos seus filhos, a bem do seu nome e das suas tradições honrosas. E eu na qualidade de bom Alvarense, não cesso de repetir, com devoção bairrista:
Através da bruma insondável dos tempos remotos, uma linda princesa nómada, da Lusitânea antiga, atraída pela frescura das águas das fontes e pela tranquilidade da paisagem ribeirinha, onde actualmente se encontra situada a pitoresca vila de Alvares, habitou este retiro pastoril da natureza, para contar, na várzea florida, o melhor da sua mais lusa inspiração.
Ela chamava-se Varge e o fulgor da sua fama atingia coetanos e vindouros.
(...)
Um belo dia, outra princesa de rara formosura (Al era seu nome), filha mais nova de uma afamado rei da lendária Arábia Pétrea, perseguida pelos terríveis inimigos que haviam destronado seu pai, veio pedir guarida a Varge, que a recebeu admiravelmente.
Daqui em diante, começaram a andar sempre juntas; e assim passaram para a posteridade as duas princesas, Al e Varge, ao lado uma da outra, cantando:
Al Varge?!
Sim, Al Varge,
génese dum nome querido,
estremecido,
génese duma lusitana terra,
milenária da serra...
(…)
Finalmente, com a expulsão dos mouros do nosso território, Al e Varge ficaram unidas num encantamento eterno, chamado Alvares, em cujo local se ergue hoje, orgulhosa da sua ascendência principesca, a mui linda e serrana vila de Alvares.
Histórias de lobos
Os lobos eram frequentes nesta região e, sobre eles, há ainda histórias na memória viva.
Uma história contada nas aldeias Sobral e Ádela, que trata de um jovem homem de Sobral que namorava uma rapariga em Ádela, a cerca de 4 km de distância. Uma noite, já estava escuro, ele queria visitar a sua amada. A sua mãe proibiu-o de sair de casa a uma hora dessas, por causa dos lobos. Mas ele não desistiu e assim enganou a mãe, pondo peças de cortiça em forma de um corpo debaixo dos cobertores da sua cama, para fazer parecer que estava deitado a dormir, saindo pela janela para a noite fora. Nessa noite, a sua mãe teve um pesadelo, sonhando que o seu querido filho tinha sido atacado por lobos. No dia a seguir, a única coisa que se encontrou do rapaz foram os seus pés ainda nos sapatos, o resto tinha desaparecido.
Uma mulher da aldeia do Sobral contou-nos que o seu avô, Dionísio Vicente, era proveniente da aldeia de Pessegueiro, no Concelho da Pampilhosa da Serra, e que namorava uma rapariga na Aldeia Velha. Uma noite deixou Pessegueiro e meteu-se ao caminho para Aldeia Velha, para no próximo dia seguir para o Colmeal, onde queria tratar dos papéis para o casamento. Quando estava a caminhar, de repente apareceram três lobos e circundaram-no. Ele pensou que a sua vida tinha chegado ao fim e que já não era preciso tratar do casamento.
Mas, entretanto, em Aldeia Velha, uma cadela que lhe era familiar pressentiu que alguma coisa estava mal e correu a ajudá-lo. Esta cadela corajosa lutou contra os lobos, dando assim ao jovem homem a oportunidade de fugir. Ele chegou exausto e sem ar, mas salvo, à aldeia.
A cadela que lhe salvou a vida regressou três dias depois toda ferida, mas com os cuidados do jovem ela sobreviveu. E assim o casamento sempre se realizou e nasceram gerações futuras, graças à coragem de uma cadela.
Estórias das Aldeias do Xisto de Góis
Salvaguardar, valorizar e divulgar o património cultural imaterial das Aldeias do Xisto de Góis tem sido, desde há muito, uma das missões do Ecomuseu Tradições do Xisto. Algum desse referido património foi há muito recolhido por uma colaboradora do ecomuseu. Recolheu estórias e contos que, num passado não muito longínquo, eram narrados pelos mais antigos às crianças, nas noites frias de inverno, ao lume da fogueira da cozinha.
O Ecomuseu, de forma a não perder a identidade das comunidades, registou esse legado patrimonial, como salvaguarda, para não cair no esquecimento.
Duas das estórias transcritas tal como foram gravadas são “As agulhas que fugiam das mãos” e os “Lobisomens e as bruxas”.
As agulhas que fugiam das mãos
Certo dia estava uma senhora no campo a guardar o seu rebanho e levou consigo o cesto com a lã e as cinco agulhas para fazer as meias e as luvas de lã, como era habitual.
A certa altura, quando estava sentada, a fazer as meias de lã e, ao mesmo tempo, a vigiar o rebanho, sentiu por várias vezes as agulhas a escorregar pelas suas mãos.
Dizia a senhora que pressentia algo, mas não sabia o que era. De repente, as agulhas caíram mesmo para a terra e, quando a senhora reparou, estavam mesmo atrás dela três lobos.
Parece que a senhora estava a pressentir que os lobos iam aparecer e por isso as agulhas estavam-lhe a dar sinal e escorregavam-lhe das mãos.
Os lobos não atacaram a senhora, no entanto ela não deixou os lobos chegar perto do seu rebanho, pois, se isso acontecesse, ficaria sem algumas das suas cabras.
Os Lobisomens e as Bruxas
Em tempos mais antigos, por estas aldeias, algumas pessoas acreditavam que existiam lobisomens e bruxas, que apareciam às pessoas várias vezes. Algumas pessoas dizem mesmo que os chegaram a ver.
Dizia-se que os lobisomens e as bruxas não eram pessoas normais como as restantes, pois a eles tinha sido concedido um dom. E era esse dom que os levava a transformar-se em lobisomens ou bruxas.
No entanto, estes seres mais estranhos podiam deixar de o ser. Diziam as pessoas que eles tinham que ser picados com uma vara, que tinha na ponta um pico de metal. E como é que isto acontecia?
À noite, quando os lobisomens ou as bruxas iam a passear pelas ruas, as pessoas, das janelas das suas casas, picavam-nos com as tais varas e assim, com esta picada, o dom que eles tinham desaparecia. Passavam a ser pessoas normais. Mas havia uma regra muito importante. Quando alguém picava os lobisomens ou as bruxas tinha de ter o cuidado de o sangue que saía pela vara não espirrar para eles, pois se isso acontecesse quem ficava com o dom era a pessoa que tinha dado a picadela.
Fonte: Lousitânea – Liga dos Amigos da Serra da Lousã