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Bucho Tradicional
O prato de bucho é sempre muito apreciado, pela conjugação dos enchidos, envolvidos pelo bucho, com o tradicional sabor agradável conferido pelo fumeiro.
O prato está disponível ao longo de todo o ano, à 5.ª feira e ao sábado, no Restaurante Caravela, em Góis.
Um pouco de história
O bucho recheado é tradicionalmente consumido na região das Beiras, para festejar a matança do porco, e as suas raízes perdem-se no tempo. Na verdade, a receita repete-se em muitos concelhos da região, mas uma análise minuciosa permite-nos identificar pequenas diferenças.
Lucas Rigaud, em 1780, na sua obra Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinha, dedica o capítulo IV ao porco. Certo é que Rigaud cozinhava para mesas reais, no entanto o parágrafo inicial desse capítulo reflete algumas características do animal e a sua importância na alimentação, nessa época. “Há duas qualidades de porcos, manso e bravo; o porco manso deve ser gordo, mas não deve ser velho, nem também muito novo, e alimentado com um bom sustento, como são bolotas, castanhas, milho, nabos, etc. E posto que a carne do porco seja indigesta, é muito gostosa, e quase seria impossível trabalhar-se bem numa cozinha sem usar dela; e como todas as partes do porco têm seu préstimo, direi brevemente os melhores modos de se servirem dele, assim como também os meios de se conservar todo o ano.”
As famílias serranas criavam pelo menos um ou dois porcos. O trabalho de criação do porco era muito. O animal era alimentado com vegetais crus, cozinhados na chamada “panela do porco”, uma grande panela de ferro com três pernas. Esses vegetais eram misturados com água e farinha, para fazer a vianda.
O porco constituía praticamente a única fonte de proteínas animais. Matava-se em dezembro ou janeiro, num clima mais fresco, e, nos meios rurais, sempre foi uma grande festa, um acontecimento, onde as tradições alimentam ritos associados a práticas culinárias e alimentares.
O dia da matança era programado e seguia uma série de preceitos fundamentais para o sucesso da tarefa. Nunca era realizada em dia de vento suão. Acendiam a lareira logo de madrugada e viam para que lado o vento se orientava: se de sul para norte não se matava, pois atraía as moscas varejeiras. Eram precisos pelo menos quatro homens, que apanhavam o porco e o deitavam sobre o banco, cobrindo-o. Os grunhidos do animal ecoavam serra fora, os homens vociferavam as regras e as mulheres preparavam-se para recolher o sangue em gamelas ou alguidares. Uma cena, aos olhos de muitos, aterrorizadora, mas para estes homens e mulheres estava em causa uma boa parte do seu sustento anual. Tudo no porco era aproveitado. A preparação das carnes era complexa e obedecia, também ela, a princípios rígidos. Para bem se conservar e nada se desperdiçar.
No dia a seguir à matança, dedicavam-se aos enchidos, parte do porco que nos interessa particularmente na nossa iguaria. Separavam as carnes de acordo com a diferença na composição dos chouriços e chouriças. Faziam-se de carnes, de bofes, de sangue, de pão, o bucho, farinheiras e palaias.
Tradicionalmente, na Serra do Açor, o bucho faz-se enchendo o estômago do porco ou bucho com carnes magras cortadas miudinhas, sangue cozido e arroz, que esperam um a dois dias antes de ser cozinhadas. Comia-se com batatas e hortaliça.
Matava-se o porco cevado,
Juntava-se a família inteira,
Depois de frio e salgado
Guardava-se na salgadeira.
(Adelino Filipe Prazeres)
Bucho tradicional | Receita
Ingredientes e Quantidades
Bucho e recheio:
Bucho * 200g de arroz * Sumo de 1 limão * 1 agulha e linha para usos culinários * Colorau * Tomilho serpão e outras ervas aromáticas * Cebola * Alho * Louro * Piripiri * Azeite * Entremeada * Chouriço de carne * Orelha de porco * Língua de porco
Acompanhamento:
Couve lombarda * Farinheira * Morcela * Chouriço * Batatas para fritar
Modo de Preparação
Bucho e recheio:
- Lavar bem o bucho com água fria, raspar para remover as impurezas e esfregar com sumo de limão;
- Cortar as carnes em pedaços pequenos e misturar com o alho e a cebola picados;
- Temperar o preparado anterior com sal;
- Juntar o azeite, o arroz cru e as ervas aromáticas bem picadas;
- Inserir o preparado dentro dos buchos, mas não encher na totalidade, pois o arroz cresce durante a cozedura;
- Fechar as aberturas dos buchos com uma agulha e linha;
- Cozer os buchos em água temperada com sal.
Acompanhamento:
- Cozer a couve lombarda com os enchidos;
- Fritar as batatas cortadas em rodelas finas, em óleo bem quente.
Empratamento:
Dispor, em travessa de barro, o bucho cortado às rodelas, acompanhado com a batata frita, a couve cozida e os enchidos cortados às rodelas.
Fontes e testemunhos
1)Testemunho oral da proprietária do Restaurante O Caravela, em Góis.
2)Bibliografia consultada:
MATOS, Lisete P. Almeida de – Gente da Serra – Do seu Quotidiano e Costumes, Odivelas: Edição da Autora, 1990.
PEREIRA, Ana Marques e PERICÃO, Maria da Graça – Do Comer e do Falar… Vocabulário Gastronómico, Lisboa: Relógio d’Água Editores, 2015.
Produtos Tradicionais Portugueses (Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Regional), em www.tradicional.dgadr.gv.pt, consultado em outubro de 2020.
RAMALHO, Paulo – Tempos Difíceis – Tradição e Mudança na Serra do Açor, Arganil: Câmara Municipal de Arganil e Museu Etnográfico, 1999.
Receitas e Sabores dos Territórios Rurais, Lisboa: Minha Terra – Federação Portuguesa de Associações de Desenvolvimento Local, 2013.