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Sopa de Presunto
Sopa colorida, plena de aromas e um amplo contraste de texturas, dada a riqueza de ingredientes que a compõem. Esta sopa apresenta características notáveis e evidentes que a aproximam das sopas de outrora, correspondendo a uma típica sopa de conforto, com alguns dos sabores mais tradicionais da nossa gastronomia.
O prato está disponível ao longo de todo o ano, na última sexta-feira de cada mês, no Restaurante Beira Rio em Góis.
Um pouco de história
A sopa é um elemento vital na nossa alimentação. Altamente nutritiva, por concentrar um conjunto de ingredientes de grande riqueza, a sopa de presunto pode considerar-se um reavivar da nossa gastronomia regional, tipicamente serrana, composta por produtos da terra (feijão, batata e couve) e por produtos com origem em animais criados em ambiente doméstico (porco).
O alimento protagonista deste prato, o presunto, é um produto confecionado a partir do quarto traseiro do porco, mergulhado em sal durante um certo período de tempo e condimentado com sal, colorau, entre outros, sendo posteriormente seco e defumado. A sopa de presunto remete-nos assim para a importância da domesticação de determinados animais, neste caso, o porco, nas comunidades rurais.
Domingos Rodrigues, na sua Arte de Cozinha, em 1680, o primeiro livro de cozinha impresso em Portugal, dedica um capítulo à apresentação de receitas com carne de porco, nomeadamente “queijo de paio, e presunto”.
Lucas Rigaud, em 1780, na sua obra Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinha, dedica o capítulo IV ao porco. Certo é que Rigaud cozinhava para mesas reais, no entanto o parágrafo inicial que dedicada a este animal reflete algumas das suas características e a sua importância na alimentação, nessa época. “Há duas qualidades de porcos, manso e bravo; o porco manso deve ser gordo, mas não deve ser velho, nem também muito novo, e alimentado com um bom sustento, como são bolotas, castanhas, milho, nabos, etc. E posto que a carne do porco seja indigesta, é muito gostosa, e quase seria impossível trabalhar-se bem numa cozinha sem usar dela; e como todas as partes do porco tem seu préstimo, direi brevemente os melhores modos de se servirem dele, assim como também os meios de se conservar todo o ano.”
As famílias serranas criavam pelo menos um ou dois porcos. O trabalho de criação do porco era muito. O animal era alimentado com vegetais crus e cozinhados na chamada “panela do porco”, uma grande panela de ferro com três pernas. Esses vegetais eram misturados com água e farinha, para fazer a vianda.
O porco constituía praticamente a única fonte de proteínas animais. Matava-se em dezembro ou janeiro, num clima mais fresco. A matança do porco nos meios rurais sempre foi uma grande festa, um acontecimento, onde as tradições alimentam ritos associados a práticas culinárias e alimentares.
O dia da matança era programado e seguia uma série de preceitos fundamentais para o sucesso da tarefa. Nunca era realizada em dia de vento suão. Acendiam a lareira logo de madrugada e viam para que lado o vento se orientava: se de sul para norte não se matava, pois atraía as moscas varejeiras. Eram precisos pelo menos quatro homens, que apanhavam o porco e o deitavam sobre o banco, cobrindo-o. Os grunhidos do animal ecoavam serra fora, os homens vociferavam as regras e as mulheres preparavam-se para recolher o sangue em gamelas ou alguidares. Uma cena, aos olhos de muitos, aterrorizadora, mas para estes homens e mulheres estava em causa uma boa parte do seu sustento anual. Tudo no porco era aproveitado. A preparação das carnes era complexa e obedecia, também ela, a princípios rígidos. Para bem se conservar e nada se desperdiçar.
No dia da matança, os presuntos, juntamente com outras partes do porco, ficavam a arrefecer até ao dia seguinte, altura em que eram guardados na salgadeira onde permaneciam durante um a dois meses. Posteriormente, as carnes eram lavadas e penduradas no fumeiro, durante cerca de quinze dias, a curar. Terminado o processo de cura, besuntavam-se com azeite e colorau e penduravam-se na loja, que se situava no piso térreo das casas rurais.
Sopa de presunto | Receita
Ingredientes e Quantidades
2 kg de presunto * 4 kg de feijão * 1 kg de entremeada * 10 chouriças de carne caseiras * 3 kg de batatas * 2,5 kg de couve galega * Macarrão q. b. * ½ l de azeite * Sal q. b.
Modo de Preparação
- Demolhar o presunto de um dia para o outro;
- Temperar a entremeada com sal e deixar repousar durante algumas horas;
- Cozer em panela cheia de água o feijão e temperar com sal e azeite;
- Acrescentar as batatas quando o feijão estiver quase cozido;
- Acrescentar o presunto, a entremeada e as chouriças inteiras;
- Retirar as chouriças quando estiverem cozidas e cortar às rodelas;
- Acrescentar o macarrão e a couve, retificar os temperos e deixar cozer.
Fontes e testemunhos
1)Testemunho oral da proprietária do Restaurante Beira Rio, em Góis.
2)Bibliografia consultada:
CÂNDIDO, Guida – A Vida Secreta da Cozinha Portuguesa – Como nasceram os pratos tradicionais portugueses, Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2020.
MATOS, Lisete P. Almeida de – Gente da Serra – Do seu Quotidiano e Costumes, Odivelas: Edição da Autora, 1990.
PEREIRA, Ana Marques e PERICÃO, Maria da Graça – Do Comer e do Falar… Vocabulário Gastronómico, Lisboa: Relógio d’Água Editores, 2015.
Produtos Tradicionais Portugueses (Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Regional), em www.tradicional.dgadr.gv.pt, consultado em outubro de 2020.
RAMALHO, Paulo – Tempos Difíceis – Tradição e Mudança na Serra do Açor, Arganil: Câmara Municipal de Arganil e Museu Etnográfico, 1999.
Receitas e Sabores dos Territórios Rurais, Lisboa: Minha Terra – Federação Portuguesa de Associações de Desenvolvimento Local, 2013.
RIGAUD, Lucas – Cozinheiro Moderno, ou nova Arte de Cozinha (prefácio de Alfredo Saramago), Sintra: Colares Editora, 1999.
RODRIGUES, Domingos – Arte de Cozinha (leitura, apresentação, notas e glossário de Maria da Graça Pericão e Maria Isabel Faria), Lisboa: Relógio d’Água Editores, 2017.